Paredes brancas.
Sofá vermelho. Som ambiente. Sentada de frente para ela, que do outro lado da
sala, me observa com seu caderninho de cor azul-marinho. Caneta em punho. E eu,
sem nem um constrangimento, me ponho a falar e falar e falar. Não faço outra
coisa, que não seja me debulhar em palavras.
Conto segredos. Desses que apenas Deus e eu sabemos. Agora, ela também
sabe. Deixou de ser segredo. Recomeço o meu falatório. Presente, passado e
futuro. Ela me observa por cima de seus óculos meia lua. E falo da infância,
juventude e a velhice que me habita. Falo até de quando estava ainda no útero.
Paro, respiro. Olho pra ela, e ela me olha de volta. Anota coisas em seu
caderno azul-marinho. Faz observações. “Mas, quem veio primeiro, o ovo ou a
galinha?”. Não respondo. Fico em dúvida. E desando falar sobre minhas dúvidas
sobre a tal galinha e seu ovo, que só Deus sabe quem veio primeiro. E ela anota mais coisas em caderno azul-marinho. E eu me pergunto o que diabos estou
fazendo ali. Falando e falando. Contando segredos. Divagando sobre esta minha
vida que nem conheço, apesar de tê-la vivido, desde o dia em que nasci. Ou não?
Terá sido ilusão, tudo o que carrego na memória? Sorriso e lágrimas? Lugares,
casas e malas? Ela continua me olhando. Não consigo responder a nenhuma dessas
perguntas. Nem ela. Olhamos, quase que sincronizadas, o relógio na parede.
Cessou-se o tempo. Sorrio. Ela me sorri de volta. Muitas perguntas nenhuma
resposta. Ao menos terei sobre o que falar na próxima visita. E ela, o que anotar em seu caderno azul-marinho.
Eu me vi. E também os relógios. E eu diria: nem o ovo, nem a galinha. Diria: a 'voz' escrita. Esta sempre nasce primeiro.
ResponderExcluirParabéns, escritora.